Alguns livros valem porque são bem escritos e contam uma história. Alguns simplesmente são bem escritos e nos fazem refletir sobre idéias, a história é o de menos. Mas outros, longe de serem bem escritos, contam histórias tão magníficas que acabam também levando a reflexões sem qualquer virtuosismo do texto, apenas pelas implicações daquela ficção. Em geral os escritores de ficção científica fazem livros com essa característica. Philip K Dick, Asimov, de certa forma Alan Moore e, talvez mais ainda, Alexander Lem. Solaris é muito bem pensado, muito bem desenvolvido apesar do texto simplório, de tal modo que o texto nem parece simplório. A idéia do planeta cuja força ressuscita alguma coisa nas pessoas que dele se aproximam, e o que ressuscita, embora noutra dimensão, é tão real que passa a afetar a realidade ela mesma, é fantástica. De alguma forma o ser humano se sente restrito pela moralidade e gostaria de ser totalmente livre para agir como crer que deve, porém simultaneamente essa moral não se encontra apenas na ética exterior mas dentro de si mesmo, o que gera o conflito. E se gera conflito no indivíduo, em algum momento esse paradoxo transbordará para a sociedade. Lem inova porque para mostrar o dilema não se utiliza de alienígenas, ou replicantes, ou robôs, mas a própria consciência humana é o monstro, mas também o anjo.
Para não dizer que a trama é tudo em Solaris, conforme se aproxima o final do livro e cresce o suspense, cresce junto a beleza literária e a escrita de Stanislaw Lam ganha novos contornos ao ir definindo a conclusão.
“Numa região indistinta, no coração da imensidade, longe do céu e da terra, sem chão sob meus pés, sem abóbada sobre minha cabeça, sem paredes, sem nada, sou prisioneiro de uma matéria estranha, meu corpo está untado por uma substância morta, informe. Ou, melhor, não tenho mais corpo, sou essa própria matéria estranha. Manchas nebulosas, de um rosa pálido, me envolvem, suspensas num meio mais opaco que o ar, pois os objetos só se tornam claros quando ficam muito perto de mim”.
Toda a questão moral, o dilema da consciência de Kris, recebem esse não pequeno prêmio, que é estar expressado de forma lírica e ainda científica. Agora dá para perceber porque um dia Tarkovski disse “admiro profundamente, a segunda metade do romance”. Com certeza é aí, e eu arriscaria dizer no último terço ou quarto do livro que o autor é plenamente feliz em seu projeto.
“Mas aí, quando [os objetos] se aproximam, são de uma nitidez extraordinária, impõem-se a mim com uma precisão sobrenatural.” E depois essa pérola: “O laboratório é o domínio de Sartorius. Ele está procurando um remédio contra a imortalidade.”
Um grande livro, que gerou um filme extraordinário - o russo, Solaris de Tarkovski.
Resenha por Ricardo de Almeida Rocha
(https://www.youtube.com/user/ricardrrj)
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