[Resenha] Sem Coração - Marissa Meyer


Editora: Rocco
Lançamento: 2018
Original: Heartless
Páginas: 416
ISBN: 978-85-7980-400-7


Lady Catherine Pinkerton é uma jovem agraciada com uma vida digna da alta sociedade do reino de Copas. Seu pai, um grande marquês, pertence a uma linhagem de nobres e Catherine cresceu no meio do luxo, dos bailes, dos chás, das mansões, dos vestidos - e também no meio de bolos e tortas. O sonho de vida da jovem Cath é se tornar uma grande confeiteira e abrir seu próprio negócio de doces ao lado da criada e amiga Mary Ann, onde ela poderá expor e vender suas sobremesas refinadas e únicas, para alegrar o coração de todos que as comessem. Catherine, contudo, nunca contou aos pais sobre este sonho, pois sua mãe insiste em dizer que Cath precisa parar com seu hobby e começar a se portar de forma a conquistar o coração de um bom marido. 

E é em um baile real que Catherine é surpreendida negativamente ao descobrir que o Rei de Copas está encantado por ela e pretende pedi-la em casamento durante a festa. Cath não deseja se casar, muito menos se tornar Rainha. Mas ela é a única que pensa assim, todos aqueles que Cath conhece insistem que se casar com o Rei é a melhor coisa a se fazer. Antes do pronunciamento do Rei sobre o pedido de casamento, Catherine conhece Jest, o novo Coringa de Copas. Em um momento de aflição, Jest lhe estende a mão e Cath sente que ele é alguém em quem sempre poderá confiar. Contrariando as ordens de sua mãe para aceitar o pedido de casamento do Rei, Catherine começa a se apaixonar pelo misterioso e encantador Coringa, e ambos iniciam um relacionamento intenso e secreto, mas que pode levar a um grande desastre. 

Você tem o meu coração, Jest. Não sei se você merece ou não. Não sei dizer se você é herói ou vilão, mas não parece importar. Seja como for, meu coração é seu. 



Intenso, dolorosamente maravilhoso, cheio de magia, paixão e encanto são algumas das formas com que posso descrever a melhor releitura de um conto de fadas que já tive a oportunidade de conhecer. Marissa nos apresenta nas pouco mais de 400 páginas de seu novo livro um lado de "Alice no País das Maravilhas" que se passa muito tempo antes da história original e nos conta como a nossa querida e tão adorável protagonista Cath veio a se tornar a tão fria, amargurada e insensível Rainha de Copas. Mas, ainda assim, a autora faz uso de figuras e diálogos já conhecidos que despertam um grande sentimento de nostalgia mesmo em uma história totalmente inédita. O marco de toda a trama de "Sem Coração", que faz o leitor se sentir fisgado para dentro do livro desde os primeiros momentos, é justamente a capacidade que a autora teve de despertar no leitor a necessidade de saber o que aconteceu com Catherine, pois tal qual o live-action que a Disney fez sobre "Malévola", em ambas as releituras, nossas protagonistas são pessoas que, antes de possuírem seus sentimentos destruídos e se tornarem as famosas vilãs que conhecemos, desejavam nada mais do que amor e felicidade, e tiveram tudo arrancado de suas vidas de forma muito triste e cruel.

Em primeiro lugar, não adianta querer começar a ler "Sem Coração" achando que este será mais um livro de romance como qualquer outro. Porque ele é muito mais do que isso, ele apresenta muito mais em suas páginas - você já inicia os primeiros capítulos com aquela angústia e sensação que a sinopse e o título causam por si só, e ainda que inconscientemente, a gente se vê na expectativa e na esperança de que a autora seja flexível o suficiente para dar um rumo para essa história diferente da ideia do trágico final que nos acompanha e atormenta nossas cabeças desde o primeiro contato com o livro. Cath vai sofrer tanto a ponto de se tornar a dona do famoso jargão "Cortem-lhe a cabeça" ou a autora vai se permitir mexer no rumo das coisas para que terminemos o livro totalmente satisfeitos por tudo ter dado lindamente bem? 

Ela é uma rosa, Jest. Linda aos olhos, sim, mas com espinhos que não devem ser ignorados.

Os personagens criados por Marissa são muito simpatizantes ao leitor, cheios de carisma, com bem construídas personalidades únicas que encantam totalmente - e a autora consegue fazer disso um problema. A trama de "Sem Coração" é cheia de tensão e suspense, e o desenvolvimento de acontecimentos misteriosos ao longo das páginas do livro gera aquela dúvida sobre simpatizar com alguém que no final pode ser responsável - total ou parcialmente - pelos ataques e destruições que vêm acontecendo por todo o Reino de Copas. 

Mas é com a nossa protagonista que nos conectamos imediatamente e compartilhamos sentimentos, justamente por ser Catherine a figura em primeiro plano, ainda que não nos encontremos totalmente dentro da cabeça dela, já que o livro é narrado em terceira pessoa. "Sem Coração" não possui capítulos alternados entre personagens, e você acompanha a jornada de Cath não só no âmbito físico, mas também (e principalmente) no emocional, e parece que estamos sempre mudando com ela. Você sente suas alegrias, seu amor, suas esperanças crescendo no peito, mas sente também a dor de ver tudo isso em perigo e se transformando em aflição, em tristeza, e em um ódio avassalador, cada vez mais incontido no coração que ela pode estar prestes a perder.

Marissa construiu um livro inteiro que se assemelha a uma constante batalha entre mente e coração. O seu cérebro diz "não simpatize com tais personagens" e você simpatiza; "não comece a gostar dele/a", e você gosta; "não faça isso, ou você vai sofrer", e você faz. E, sim, você sofre. Muito. E talvez essas ordens mentais, afinal, não sejam do seu cérebro para você, mas do seu coração para Cath, porque no fundo você sabe que os riscos são muito grandes. 

Às vezes seu coração é a única coisa que vale a pena ouvir.

"Sem Coração" é um daqueles livros que modificam e reconstroem toda uma história que crescemos vendo de um jeito, nos mostrando uma nova faceta, uma nova percepção da mesma, e expandindo nossa mente para o que pode haver além dela que nós nunca sequer cogitamos a hipótese. Você, caro leitor, com certeza nunca mais irá assistir "Alice no País das Maravilhas" e ver Catherine Pinkerton a Rainha de Copas com os mesmos olhos - nem com os mesmos sentimentos. 

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